quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Fé e Ciência - Gênesis 1-3


Olá! O texto é longo, mas é fruto de cinco semanas de Estudo Bíblico com o Grupo "Passeando pela Bíblia" que coordeno na Paróquia São Mateus. Creio que seja um bom subsídio para se aprofundar conhecimentos a respeito de Gênesis capítulos 1 a 3. Abraços!

Carrego a impressão de que são poucas as pessoas que percebem o ritmo, a poesia e a grandiosidade deste texto literário que o autor de Gênesis 1-3 nos apresenta. Trata-se de uma palavra esplendorosa. A forma como este texto foi escrito dá o que falar. O autor desta obra foi muito corajoso ao gerir estas palavras que desnudam a idéia da ordenação; da estruturação absoluta do mundo e da vida. Este texto não espelha nada que possa ser entendido como complexo. Nele tudo acontece a partir de um “esquema” altamente significativo, compreensível e, ao mesmo tempo, muito simples.

Trata-se de um texto que foi produzido e ritmado no quinto século a.C. Ele soa como um estribilho; como um refrão nos nossos ouvidos: “Houve tarde e houve manhã.” (Gênesis 1.5b) Tardes e manhãs que tu e eu gastamos enquanto trabalhamos. O texto coloca todos os detalhes em ordem. Nele tudo acaba tendo um sentido. Essa é a mensagem deste poema criado para informar sobre a criação do universo; do macro e do micro-cosmos; da matéria e da vida, em suas inúmeras formas e jeitos.

Sim, a Bíblia começa nos falando de “beleza” e de “ordem”. Nós sabemos muito bem a respeito do que não é belo; do que é caótico. O nosso dia-a-dia nos informa (nos coloca dentro de uma forma dessas onde se assa um bolo) sobre este estado de confusão. Quem de nós já não sofreu “calores desérticos”; já quase não se “afogou” nas “águas lodosas” do caos que, volta e meia, vem fazer visitas no cotidiano? Coisa boa que existe este texto bíblico; este poema que aponta para a bênção da Criação de Deus. “E, havendo Deus terminado no dia sétimo a Sua obra, que fizera...” (Gênesis 2.2a); “... abençoou Deus o dia sétimo e o santificou...” (Gênesis 2.3a)

Sério! Nós deveríamos cantar este texto; recitá-lo em coro num grande coral. Nós deveríamos tirar tempo para ouvirmos a obra-prima de Haydn que, para compô-la, se inspirou neste texto. Melhor do que isto: Nós deveríamos apresentar um oratório para poder fazermos parte deste grande Milagre da Criação. Este texto não se propõe a nos ensinar sobre a Criação, mas sim “sugar-nos” para dentro da mesma. Este texto não foi elaborado a partir de métodos científicos para que pudéssemos nos apoderar de seu conteúdo. Ele, em nenhum momento, carrega qualquer “intenção” de nos explicar ou de nos provar algo a respeito da Criação. O seu objetivo não é outro senão fortalecer a nossa fé. Nada mais, nada menos.

Nós só vamos entender o conteúdo deste texto quando, crentes, admitirmos; quando entendermos a lógica como ele foi “construído”; elaborado. No dia em que fizermos esta descoberta; que nos apossarmos desta sabedoria, aí então vamos ficar admirados com o homem de fé que se escondia no autor; vamos entender o testemunho que o referido escritor colocou no “mercado”. Nesse dia, esse mesmo texto, vai “mexer” conosco, pessoas críticas que ainda não tiveram a chance de perceber a “chave” que abre a “porta da compreensão” de Deus; que “destranca o portão” que dá acesso à fé em Deus; que “escancara a porteira” que dá abertura à vontade de Deus nas nossas vidas.

É triste, mas em todos os povos a “conjuntura do saber” tem se mostrado fria; fundamentalista e teimosa. Digo de outro jeito: Tal como “Don Quixote de la Mancha”, são muitas as pessoas que lutam com este texto como se lutassem contra “moinhos de vento” (inimigos). As pessoas, de um modo geral, usam este texto para forjar “armas”; para “acabar” com todas as teorias e hipóteses que já se escreveram sobre a “Criação”. São inúmeros os que tentam fazer uso deste texto; para “matar” tudo o que já foi cientificamente comprovado a respeito da Criação. Não é por aí o caminho! Sejamos humildes e coloquemo-nos em postura de aprender (apreender).

Este texto tem outro objetivo. Ele quer nos inspirar a descobrirmos; a forjarmos a nossa própria resposta a respeito do sentido de todas as coisas; sobre o significado da doação; sobre se somos capazes de explicar esse “tudo” ou se estes 34 primeiros versículos são mesmo misteriosos e, por isso mesmo, incompreensíveis. O texto nos convida a elaborarmos uma resposta pessoal às perguntas que dele emergem. Esse é o maior objetivo do conteúdo expresso no primeiro capítulo de Gênesis; no portal de entrada da Bíblia. Cai no vazio; erra quem pensa poder usar um texto como este (e outros semelhantes a este) com o objetivo de tentar provar que a Bíblia está certa; que a Bíblia tem razão.

A validade desta declaração bíblica não carece de nenhuma prova. A validade do referido texto se desenrola sem pressão e sem qualquer “dogmatismo” (verdade e ponto final). Isso é assim porque o texto de Gênesis 1.1-2.3 se abre a todas as pessoas que se envolvem na busca do significado mais profundo desse conteúdo. Quem “mergulha” no mesmo com vontade de aprender, acaba descobrindo que o conhecimento (Ciência) e a fé não precisam contender entre si; não precisam concorrer um com o outro. A fé e a Ciência são elementos que se complementam quando se está em busca do conhecimento como um todo.

As irmãs e os irmãos que fazem esta descoberta, crescem e se desenvolvem; reforçam sua fé. “No princípio, criou Deus...” (Genesis 1.1a) Esta palavra rejeita a aleatoriedade, promotora maior da futilidade; do que é sem sentido. As sete letras da palavra “sentido” apontam para o propósito da nossa existência. Aqui não se está especulando e recalculando o “x” da questão. Ciência e fé se complementam. Sim, os cientistas calculam que a terra tem 13,7 bilhões de anos. Já os textos bíblicos não se ocupam com cálculos matemáticos precisos do tempo; da cronologia. A Bíblia reflete sobre o todo; sobre as razões mais profundas do por que isso é assim; do por que aquilo é “assado”.

Não que esses “detalhes” não sejam importantes. Estes cálculos e recálculos ajudam a aplacar a “sede” humana pelo conhecimento. Quem de nós quer lutar contra isso? Está mais do que claro que se deva continuar fazendo mais e mais pesquisas que, por sua vez, vão aumentar o nosso saber. Quanto mais aprimorado o nosso conhecimento, mais admiração e respeito teremos dos outros. Fazer perguntas e buscar respostas, isso sempre é mais do que nossa obrigação. Não nos cabe ficar parados. Como é que o mundo foi formado? Como é que ele se desenvolveu? Como eram as coisas antes das perspectivas da Criação? Estas perguntas devem continuar sendo feitas e as suas respectivas respostas precisam continuar sendo buscadas, mesmo que se depare com limites.

A rígida e propalada teoria do “Big Bang” não tem poder para matar a fé. O conhecimento sempre maior não vai expulsar a fé do coração da cristandade. Que tipo de fé seria esta que, diante dos sinais de “conhecimento”, decresce? Essa seria uma crença alicerçada numa “proposta de fuga”. Não! Isso não é cristianismo... Que tipo de parceria de confiança e amor seria essa que diminui, à medida que os parceiros se conhecem mais e mais?

Ciência e Fé não competem entre si. As categorias de “Conhecimento” e de “Fé” são tão diferentes entre si, que só podem ser complementares. Aqueles de nós que perguntam pelo “como” das coisas ainda não obterão a resposta do “por que” e do “para quê” destas mesmas coisas. Sabemos muito pouco a respeito do “como”; do “por que” e do “para quê” das coisas. Em vista disso vamos tocando a nossa vida diária, sem darmos muita atenção àquilo que já sabemos ou deixamos de saber sobre a criação do mundo. Daí que, neste momento, torna-se imprescindível um “mergulho” no “lago” do “Reino do Conhecimento”.

O globo terrestre gira em torno do seu eixo a uma velocidade de 1000 km/h. Esse mesmo globo terrestre no qual construímos nossas casas, gira em torno do sol a uma velocidade de 100.000 km/h. Tudo muito bem, tudo muito bom. Mas isso ainda não é tudo. Todo o nosso sistema solar gira em torno da Via Láctea a uma velocidade de 800.000 km/h. Vamos refletir só por um instante sobre esses números, aqui nesta sala da São Mateus. É algo fora de série – certo?

Nós não deveríamos estar experimentando uma tremenda vertigem enquanto vamos levando a nossa vida entremeio de todo esse “rodopio”? Até onde consigo perceber, estamos tranquilos. Nada atrapalha a nossa concentração. Não existe nenhum “solavanco”. As nossas cortinas nem sequer balançam aqui na sala. Isso não é fantástico?

Claro que é! Agora, nem tudo o que se descobre dentro da Natureza pode ser denominado como “fora de série”; como “fantástico”. Hoje em dia, aqui e ali, são feitas descobertas que até nos promovem ansiedades e preocupações: Quais os “riscos” e quais os “perigos” que estes “achados científicos” podem nos promover? Até que ponto este “novo saber” pode nos desestabilizar? Cada um de nós já ouviu falar de alguns “chavões” (sensacionalistas ou não) que, muitas vezes, acabam brotando de “descobertas desagradáveis”. Cito dois: Chuva ácida; gripe aviária... Qual é o último “chavão” gerador de “medo” que já está sendo “ventilado”?...

Observem que em dados momentos o melhor e mais profundo “conhecimento” não nos serve para quase nada. Além do “conhecimento”; precisamos constantemente “alimentar” nossa fé e nossa confiança de que a tal “descoberta” vai promover o “bem comum” (justiça). Sim, nós precisamos ter a garantia de que, apesar do “risco” experimentado, a nossa existência continue fazendo sentido.

Como falar de Deus, o Criador, no meio de todo este “barulho”? As primeiras palavras do Livro de Gênesis nos presenteiam com uma informação extremamente densa e isso, a partir de uma forma poética - como já vimos. A Bíblia diz que no “princípio” só havia a realidade do “cosmos”; que na “origem” só havia o cosmos, mas não o caos; a ordem e a beleza, mas não o deserto e o vazio. A palavra explicita que no “começo” de tudo o “cosmos”; a “ordem” e a “beleza” definiam a nossa existência. É isso que o texto bíblico de Gênesis 1.1-2.3 nos deixa claro, logo nas primeiras palavras.

Alguém de nós poderia fazer uma pergunta crítica: Não estamos “minimizando” a Palavra Deus dando tanta atenção à Ciência? Tal pergunta se justifica. Foi neste contexto que se perguntou Martin Buber*: “Como é que você consegue falar sempre de novo a palavra “Deus””? Existe na Linguagem Humana uma palavra que já tenha sido tão manchada; tão mal utilizada como esse substantivo próprio “Deus”? Em vez de citarmos o Seu Nome a toda hora, não deveríamos ter uma postura mais silenciosa; mais meditativa; mais respeitosa tal como os judeus o fazem?

(*Martin Buber era judeu. Nasceu em Viena no dia 08 de fevereiro de 1878. Foi filósofo, escritor e pedagogo. Era poliglota (Iídiche, Alemão, Hebraico, Francês e Polonês). Sua formação universitária se deu na Áustria. Em suas publicações, sempre enfatizou que não há existência sem comunicação e diálogo; que os objetos não existem sem a interação. Para ele as palavras, “Eu-Tu” (relação) e “Eu-Isso” (experiência), demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que abarcam a existência. Buber defendia que o homem possui a capacidade de inter-relacionamento com seu semelhante, ou seja, a inter-subjetividade (relação entre sujeito e sujeito e/ou sujeito e objeto). O relacionamento, segundo o filósofo, acontece entre o “Eu e o Tu”, e denomina-se relacionamento “Eu-Tu”. A inter-relação advinda daí envolve o diálogo; o encontro e a responsabilidade entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto. Inter-subjetividade, é umas das áreas que envolve a vida do homem e, por isso, precisa ser refletida e analisada pela filosofia, em especial pela Antropologia Filosófica.) Pesquisa: Wikipédia (Enciclopédia Livre)

Buber repondeu: “Sim, a palavra “Deus” é o substantivo mais carregado de todas as palavras humanas. Nenhuma palavra foi tão manchada e tão dilacerada como ela. É exatamente por isso que eu não renuncio ao seu uso. As pessoas têm jogado o peso de suas vidas ansiosas sobre a palavra “Deus”. Agindo assim, acabaram vulgarizando a mesma. Hoje a palavra “Deus” encontra-se na poeira e lá, ela carrega todas as “cargas” da humanidade. Os homens e as mulheres usaram seus “Partidos Religiosos” para “dilacerarem” a Palavra “Deus”. Agindo assim, mataram “Deus” e por causa disso também morreram. A palavra vilipendiada “Deus” traz as marcas de todas as impressões digitais da humanidade; ela está manchada com seu sangue. Mas pensem bem! Onde é que eu posso encontrar uma palavra que se assemelhe à palavra “Deus” para designar o que é “Mais Alto”! Se eu tomar a palavra mais “pura”; mais rica dos “tesouros” guardados em bibliotecas; mais bem guardada pelos filósofos, ainda assim eu só poderia expressar algo mentalmente evasivo e pobre sobre “Deus”. Esta nova palavra não teria a mínima capacidade de retratar “Àquele” que as pessoas, de um modo geral, rebaixaram ao nível do pó. “Sim, podemos usar a palavra “Deus””. Não temos a capacidade de limpá-la. Nós também não temos o poder de colocá-la no lugar que ela merece, mas nós podemos, isso sim, levantá-la do chão, tal como lá se encontra e, juntos, meditarmos nela durante uma hora”.

Sim, esta história do “princípio” (descrita em Gênesis) e da “qualidade da vida” nos fortalece a crença de que há um sentido para nós na Criação de Deus. De repente também nós vamos ter problemas com as nossas “concepções antropomórficas” (antropomorfo = Que, pela forma, se assemelha ao homem) de Deus. Os autores dos textos bíblicos também tiveram que “trabalhar” com problemas desse nível. Eis aí um dos mistérios que, em última análise, também nos alcança. O verdadeiro Deus Criador não é apenas um Deus ao qual podemos nos achegar, mas um Deus que vem ao nosso encontro; que entabula uma relação conosco. O filósofo Martin Buber chamou a “qualidade dialógica” desse Deus como sendo um encontro cara-a-cara de Deus-Comigo (Deus Conosco).

Devemos nos calar? Devemos ficar mudos diante de Deus e não dizermos absolutamente nada ao Criador que falou a “Palavra Original”; que oportunizou o diálogo com a Sua Criação; que se tornou acessível à Sua Criação – acontecesse o que acontecesse? Podemos nos dirigir a Deus com a segunda pessoa do singular “Tu”? Podemos dialogar criativamente com Deus? Sim, podemos! Afirmo isto porque parto do pressuposto que esta “qualidade dialógica” já está implantada em nós. Como? Ora, respondam-se a si mesmos: O que é que chama a atenção na leitura deste texto? Onde é que ficamos “presos” por causa das “algemas do espanto” ou por causa de “questões” que, interiormente, “mexeram” conosco? Onde é que temos liberdade para dizer “amém” para algum dos aspectos da beleza da Criação de Deus? Onde foi que a nossa “alma” sorriu, enquanto percebemos aspectos deste texto? Onde foi que o nosso rosto se enrugou por causa de perguntas que ficaram sem respostas? Qual o assunto que esse texto nos incita a conversar?

A nossa resposta silenciosa pode estar indicando que estamos no “Diálogo Original” com Deus. Porque isso está sendo verdade? Ora, porque estamos tomando do nosso tempo para nos aprofundarmos neste assunto. Enfim, porque estamos aproveitando a oportunidade de nos “apoderarmos” (apreendermos) da Bênção que esta descoberta a respeito da Criação evoca. Certamente que podemos fazer alguma coisa para bem usar os conteúdos até aqui apreendidos. Ninguém participaria de um estudo assim se não tivesse tido um mínimo de esperança “latejando” em si. Todos querem a “alimentar-se” para manter sua fé – força que todos nós necessitamos.

Ninguém de nós se envolveria com este texto se, no passado, algumas pessoas das nossas relações já não tivessem tido estas mesmas necessidades que estamos tendo. Nós simplesmente necessitamos dessas “horas tranquilas” para podermos descobrir; entender; levarmos a sério a grandeza da Criação de Deus. É por isso que não assumimos outro compromisso para esse momento. Como é que poderíamos ter feito estas descobertas se não fosse esse momento vivido? A paz e a bênção do “sétimo dia” da Criação se celebram na Ressurreição de Jesus Cristo. Para nós o “domingo” é sempre o “sábado da Bíblia” (sétimo dia) e, ao mesmo tempo, o primeiro dia da Criação no seu todo. Assim, estamos conscientes de que Deus não só completou a Criação (toda a Sua obra) no sétimo dia, mas continua completando, dia após dia, hoje e no futuro.

Estamos tratando de um texto marcado pela poesia e que, portanto, não tem absolutamente nada a ver com História... Daria para se dizer que este texto de Gênesis 2.3b-17 brota de dentro do “Mundo dos Sonhos”, não do mundo em que vivemos aqui no chão. O “paraíso” é um jardim repleto de doces frutos. Ele se localiza ao leste do mundo. É dele que partem os quatro pontos cardeais do mundo – ele está no centro do mundo. Dele sai a água que agoa a terra; o globo terrestre. Ele é um “oásis” gerador de vida no meio de um deserto. Esse “jardim”, doce e fértil, é chamado de Éden.Ele, o “paraíso” se encontra fechado; bloqueado; proibido para as pessoas. Elas, no entanto, têm o desejo desenfreado de retornar ao mesmo; de retornar às suas origens; de voltar à inocência para continuar “sonhando”...

Conhecemos bem esta história de Gênesis 2.3b-17. Ela se reporta aos “começos” da vida; ao “paraíso”. Todo mundo conhece esta história como a “História do Paraíso”. Notem que a palavra “paraíso” nem consta no texto em questão. Este lugar é denominado de “Éden” que, traduzido, quer dizer “Felicidade”. Para nós, leitores da Bíblia, é interessante esta leitura. Na Bíblia, quase sempre, só se fala de “estepes” e de “deserto”. Aqui se está falando de “felicidade”; de “paraíso”; de “oásis”. No antigo Israel as pessoas estavam acostumadas a lutar com a natureza em busca da “água vivificante”. Hoje em dia não existe nada de muito diferente naquelas paragens. Os profetas modernos dizem que não vai demorar muito e os israelitas vão iniciar mais uma guerra com os países vizinhos com o objetivo da obtenção de água. Por incrível que pareça, nós estamos rodeados de água aqui no Brasil. Nos últimos dias até tivemos que conviver com a força das mesmas. No Oriente Médio é muito diferente. Lá onde o sol quase nunca se põe; onde o calor é impiedoso, se luta pela sobrevivência, buscando-se; desgastando-se na busca de água.

A História nos relata que o “paraíso” é terra fértil; que dentro dele existe uma “fonte” que não deixa faltar água. Esta fonte se subdivide em “quatro fontes” menores, das quais temos conhecimento de duas: o rio Eufrates e o rio Tigre. O “paraíso”, como no início os antigos o imaginaram, tinha o seu lugar geográfico aqui neste mundo. Não se tratava de um “sonho”, mas considerava-se-o como algo muito real. Cria-se que Deus o tinha criado dentro do “caos”. “No início Deus criou o céu e a terra e a terra era sem forma e vazia” – diz a Bíblia. No hebraico antigo se dizia que esta terra era “toho” e “waboo”. A palavra hebraica moderna é “Tohowaboo” e significa que “em meio a um mundo desordenado” nasce a “ordem”; que a “mão reguladora” de Deus organiza as “coisas”, a partir de Sua Palavra; que Deus cria “ordem” neste “Tohowaboo”. É aí então que o “caos” se transforma em “paraíso”.

O “paraíso” é uma palavra que remete à saudade; ao sonho do céu na terra; ao sonho do “País das Maravilhas” onde os “pedaços de frango frito voam para dentro da nossa boca”; onde sempre se pode explicitar “três desejos”... Fixamos nossos pensamento nele; no misterioso “Jardim do Éden”; no “Paraíso” intocado, inocente e vigiado. Nele está o refúgio para a alma assustada. Ele é o “bálsamo” para o coração ferido.

Já vimos que esta história não deve ser vista como “histórica”, mas como “poesia”. Sim, a história do “paraíso” é um mito. Ela brota das profundezas da experiência humana. Cada povo conta esta mesma história, sempre com alguma diferença de conteúdo (mesmo sem conhecer a Bíblia). Carl Gustav Jung (psiquiatra suíço e fundador da Psicologia Analítica, também conhecida como Psicologia Junguiana), famoso discípulo de Sigmund Freud (médico neurologista, judeu-austríaco, fundador da psicanálise) diria que, neste texto, se percebe o “arquétipo” de uma informação firmemente ancorada em diferentes culturas como imagem na imaginação humana.

Os povos sempre precisam saber; ter uma idéia, quanto mais clara possível, de como tudo começou; de como foram as suas origens. Daí que, mesmo sem o “conhecimento científico” de como começou o mundo; mesmo sem saber “dados” e “fatos” se conta esta história que, na realidade, não aconteceu. Mas é importante saber sobre o “início de tudo”. Mais importante ainda é saber que este “início” foi bom...

O “mito” amarra o início da história humana na “sabedoria” de Deus. O “mito” tenta explicar que mesmo as pessoas sendo vertebradas, tal como os macacos e os burros; que mesmo que o ser humano tenha certa “afinidade genealógica” com as aves e os peixes; que mesmo que cada animal (do camelo à serpente) tenha o seu “caráter específico” e que, este, aqui e ali, se pareça com o caráter da mulher e do homem, foi Deus quem o criou a partir da Sua “sabedoria”. Nada aconteceu casualmente e absolutamente nada está errado na História, mas toda existência foi criada por Deus, assim como ela se apresenta (tanto a espécie humana como cada indivíduo). Os “mitos” são narrativas que fazem transparecer a realidade da nossa existência; que nos abrem os olhos para a verdade que se encontra por trás da realidade dos fatos que vivenciamos. É por isso que eles, os “mitos”, são tão importantes.

Os “mitos” nos dão uma idéia de Deus e de suas ações. Eles são as descrições daquilo que não pode ser descrito; daquilo que é indescritível. Eles contam uma verdade. Esta é a sua função mais profunda. Houve tempos em que não se levava os “mitos” tão a sério. Isso foi um erro. Hoje sabemos que simplesmente precisamos dessas histórias antigas, enquanto buscamos; pesquisamos a verdade. Os “mitos” podem nos ajudar a descobrir a verdade. Nós não estamos buscando a “verdade” que os cientistas modernos buscam; que os filósofos perseguem. A “verdade” que buscamos só pode nos dar uma “idéia”; uma “luz”; sugerir uma pequena resposta e, mesmo assim, depois disso, nos sobrevirão mais e mais perguntas... Essa “verdade” que buscamos é uma “verdade” alicerçada em “terrenos movediços”. Observem que esse “mito” aponta para uma “realidade”: o “paraíso”.

A história do “paraíso” se mistura com o “início” e a “origem” das pessoas, tal como a “criação” se mistura com a sabedoria de Deus. A fé sabe essas coisas e “encastela” esse saber no coração. É dali que brota a esperança e a confiança nas perspectivas da vida. O que nos rodeia; onde vivemos e respiramos; de onde viemos e porque estamos aqui; isto tudo é oriundo da “sabedoria” de Deus: Ele quis isso; Ele fez isso e é por isso que Ele nos rodeia com Seus cuidados; oportuniza-nos Sua paz e isso, desde o começo.

É por isso que esta história a respeito do “paraíso” nos é contada. Ela é uma história que visa nos promover conforto. Somos criaturas de Deus e não um produto do acaso. Essa realidade nos dá um lugar. Nós não estamos “pendurados” por aí, entre o céu e a terra; não fomos criados em algum espaço dentro do infinito do Universo; não somos criaturas sem teto que “viajamos” como um cometa e depois nos extinguimos. Não, desde a nossa origem somos abrigados no “paraíso”, um lugar de paz; de abundância e de conservação. Essa é a boa lembrança que esta história evoca em nós.

Nós sempre entendemos que esta segunda “História da Criação” era o “Segundo Relato da Criação”, ou seja: que este “relato” estava colocado depois do primeiro. Isso não é bem assim. Esta segunda narrativa da Criação está ligada à primeira. Há diferenças, sem dúvida. Diferenças que são derivadas de diferentes objetivos de quem as contou. Abro um parêntese: De repente, até na Igreja, se encontrem pessoas que estejam interessadas neste assunto. Sinceramente acho meio escandaloso que certos pastores, de escondam esse tipo de informação. Fecho o parêntese.

Aqui, bem aqui nesta história antiquíssima a respeito do “paraíso”, o “homem” está no início da Criação. O “restante” da Criação vai sendo construído ao seu redor. Neste segundo texto que estamos estudando, o homem é a primeira “obra” da Criação. Nele, Deus sopra do Seu fôlego nas narinas do homem. O “restante” é feito por Deus sem muita “proximidade”. O homem é “enchido” com vida pelo sopro de Deus. Esta “respiração” de Deus não se assemelha ao ar que enche nossos pulmões. No momento da Criação do homem Deus dá; Deus doa; Deus reparte algo de si para a Sua criatura. É assim que a alma do homem é formada. Uma parte da sabedoria de Deus; uma parte da Sua vontade de se comunicar; uma parte do Seu amor; uma parte da Sua graça passam a fazer parte do homem criado. Quer dizer, tu e eu carregamos uma espécie de “sinal” de Deus em nós. Noutras palavras: Deus vive em nós. Em muitas pessoas Ele está tirando uma “soneca”... Mas nós podemos despertá-lo; podemos reagir ao presente da Sua presença em nós.

Quando me recordo do dia 11 de setembro de 2001, me paro a refletir no que se sucedeu depois. Na Alemanha as Igrejas encheram-se de pessoas que oravam e cantavam; que ouviam a Palavra da “sabedoria” de Deus. Aquelas atitudes não eram impulsivas. Era o “sopro de Deus”, que acordava naquele momento de necessidade; de dor. Era o sopro do Todo-Poderoso que, naqueles dias, aproximava as pessoas para lhes acalmar as almas; para lhes oportunizar a “livre respiração”, entremeio às restrições da vida cotidiana. Digo isto com os sentimentos não adormecidos: Na verdade tragédias não são boas para se descobrir Deus e a vida eterna. Infelizmente é isso o que acontece com muitos. Crises levam a Deus, mas quando a memória da crise se desvanece daí então a lembrança de Deus desaparece. Que pena!

Quando a lembrança de Deus é esquecida o sopro de Deus se mistura; se mascara com a respiração dos nossos pulmões. Deus queria que o “paraíso” começasse a valer nestas pessoas, mas não deu certo. Não precisamos vivenciar Deus somente a partir de uma tragédia; Não precisamos vivenciar situações limítrofes para “experimentar” o sopro de Deus em nossa vida. Também podemos nos encontrar com Deus num encontro com amigos. O fato é que: O que vem de Deus, não pode vir a ser perdido. Nós carregamos o sopro de Deus dentro de nós e, porque isso é verdade, temos um pouco de “divindade” em nós. Nós sentimos que a nossa fé; que a nossa esperança e que o nosso amor têm a marca da respiração de Deus. Ah o “Paraíso” – meu olhar está ansioso para o início de tudo. Lá tudo é fecundo. Lá a simpatia está presente. Lá Deus é Deus e o homem é homem. Ele traz em si o sopro divino para viver a vontade divina; para sentir a inocência sonhadora. No “jardim” que, por curto tempo, ainda é denominado de “Éden” o homem quis andar só; se irritou com a “canga” e isso o fez sair dali para encontrar seus próprios caminhos; para crescer em liberdade; para se relacionar com e errar pela impaciência.

Ora, o “paraíso” não existe mais. Aprendemos isso todos os dias, de muitas maneiras. Certamente há, aqui e ali, em nossas vidas, momentos celestiais: quando um sonho se torna realidade; quando a paz vem nos visitar; quando não sentimos medo e não somos oprimidos por pressentimentos; quando somos “encharcados” de amor. Nestes momentos experimentamos a celestialidade. Sim, há momentos que são celestiais. Mas sabemos que não se trata do “paraíso”. Não há caminho que leve de volta ao “paraíso”. Certamente a nossa perspectiva está determinada pela visão de “um novo céu e de nova terra”, a Nova Jerusalém, descrita no final da Bíblia, no Livro do Apocalipse. Nesse dia, o que agora nos oprime, não contará mais com a mínima força. Tal como a narrativa sobre o “paraíso” descreve nossa origem, assim também a descrição da Nova Jerusalém nos descreve o nosso fim. A casa de Deus está aberta para os homens. Deus vem habitar nesta casa junto com os homens e eles serão o Seu povo e Ele será o seu Deus.

Mulheres e homens exercem atração uns pelos outros. Não é preciso fazer grandes estudos para constatá-lo. O desejo último dessa atração é conviver, é viver em conjunto, é partilhar a vida solidariamente. O fato de que o número de separações de casais cresce assustadoramente, não muda nada nisso. Também pessoas separadas buscam uma nova chance para reconstruir a vida em companheirismo e partilha. E o espaço privilegiado desse conviver e partilhar é o matrimônio. Sabemos que também o matrimônio é marcado pelas características muito humanas do casal, mas nem por isso deixa de ser espaço privilegiado de vida com sentido, com amor partilhado, com solidariedade radical. É uma pena que se fala pouco dos milhões e milhões de casais que caminham, desfrutam e partilham a vida juntos até a velhice. Casais que vão bem não rendem notícia e nem vendem jornal, e nas novelas aparecem, quando muito, à margem da trama central. Mas, mulheres e homens se encontram e relacionam também na sociedade, no trabalho, na rua, nas igrejas sem necessariamente assumirem compromisso último uns pelos outros. Também esse relacionamento pode ser prazeroso, construtivo, solidário, bonito simplesmente.

O nome “Adão” não é apenas o nome do primeiro homem. Na Língua Hebraica significa “ser humano”. Vai daí que, muitas vezes, o que é “dito” sobre Adão no Antigo Testamento também vale tanto para os homens como para as mulheres. Esta história antiquíssima é emocionante. Adão vive solitário. Deus é sensível e percebe a a solidão de Adão. Essa percepção não é boa. É preciso fazer alguma coisa. Claro, Adão precisa de companhia mais seleta. Sim, Deus percebe que nenhum dos animais criados por Ele tem a “capacidade” de ser “parceria igual” para Adão. Assim, Deus permite que Adão mergulhe num sono profundo. Enquanto Ele dorme, Deus lhe retira uma costela e dela cria a “Eva”. Adão se entusiasma com ela porque descobre que são “parceiros”. Aqui neste relato da História da Criação aparece, pela primeira vez, o sentido do matrimônio na Bíblia: “O casamento é uma boa “ferramenta” que, entre outros benefícios”, ajuda a “desbancar” a solidão que o ser humano sente; experimenta. ”

Não é novidade, porém, que esse relacionamento muitas vezes é complicado. Ensina-nos a história da humanidade e também a história das Igrejas, que uma das dificuldades reside no fato de existirem discriminações de gênero, discriminações entre homens e mulheres, via de regra de homens em relação a mulheres. Temos que admitir e confessar que teólogos e Igrejas inteiras contribuíram e ainda contribuem para que isso seja assim. A mulher, segundo essa Teologia, é inferior ao homem. E há passagens bíblicas que até podem ser lidas nesta linha. Mas olhando o todo da mensagem bíblica, se evidencia uma imagem bem diferente.

Adão dorme e Deus age, o mesmo Deus que criou tudo o que existe e que viu que sua criação era boa. Adão antes disso se limitara a estar no paraíso. Até ganhou a tarefa de dar nome aos animais. Mas foi o próprio Deus que constatou não ser bom ao homem estar só! Por isso ele criou a mulher; “Ajudadora” que fosse como a sua outra metade" ou, na versão mais antiga, "uma auxiliadora que lhe fosse idônea". Em nenhuma das duas traduções está escrito que Deus fez uma empregada honesta e pontual! Aliás, em nenhuma tradução séria, em qualquer idioma, se poderá ler isso. Muito pelo contrário: Deus cria alguém sem o qual o próprio Adão é só parte. Pobre Adão se Deus não lhe viesse em socorro: Deus vê a sua solidão e lhe cria uma companheira. Como se isso não bastasse, é Deus quem apresenta a mulher a Adão. Imagino que Adão estava estupefato, quem sabe ficou vidrado naquela pessoa que Deus lhe apresenta: "Agora sim! Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos. Ela será chamada ‘mulher' porque Deus a criou do homem" (v.23).

É uma pena que no Português as palavras para designar homem e mulher sejam tão diferentes, a ponto de a gente nem entender muito bem a lógica de Adão. Isso tem a ver com a própria língua. No hebraico a palavrinha para designar mulher e homem tem a mesma raiz. O feminino tem apenas uma letrinha a mais. Daí a lógica na exclamação de Adão. A dificuldade que existe no português, existe também no alemão. Lutero tentou solucionar o problema criando uma palavra. Homem é Mann e ele fez o feminino Männin. Na verdade, o feminino de “Mann” é “Frau”. A sugestão de Lutero não vingou! Sabe-se lá quanto estas palavras tão diferentes contribuíram para uma infinidade de absurdos na interpretação do nosso texto. Mulher e homem, homem e mulher são semelhantes, dos mesmos ossos, da mesma carne - esta é a mensagem que o texto deseja transmitir.

Não que se ignorem também as diferenças, mas estas não são hierárquicas! Por causa delas um não é melhor do que o outro. Mulher e homem têm papéis diferentes já na procriação, têm aptidões diferentes, têm dons diferentes, assim como, aliás, os seres humanos em geral, sem distinção de gênero, têm dons diferentes. O mundo que temos em boa parte é fruto da multiplicidade de dons. Ninguém pode ignorar os benefícios de descobertas, avanços e desenvolvimento em todas as áreas da vida. Vivemos e desfrutamos esta realidade. Mas seria cegueira e pecado ignorar que o mau uso de capacidades e dons do mesmo ser humano está pondo em risco toda a existência do planeta e da vida. No entanto, não se podem atribuir méritos ou culpa diferenciada aos homens ou às mulheres só por serem de sexo diferente.

Mas é justamente isso que aconteceu na história da humanidade, sob inúmeras formas. E a história da igreja, em particular, está marcada por isso. Houve momentos em que a teologia afirmava que a mulher é a grande culpada da perda do paraíso. Ela se deixou levar na conversa. Omite-se, porém, que o Adão também se deixou levar na conversa! A partir daí toda a sexualidade - centrada na mulher - passou a ser encarada como pecado. Num momento obscuro da história da igreja, mulheres - sempre mulheres - foram queimadas por bruxaria. A criação de irmandades e conventos, sem dúvida tinha sua motivação na fé, mas carregava também o objetivo da pureza e virgindade, enquanto que os mosteiros masculinos - com toda a sua seriedade de fé - eram uma forma de fugir da tentação da carne.

Na raiz de celibato cristão está também a suposta pecaminosidade do sexo. Lutero, dando destaque aos dons que Deus dá e casando-se com a ex-freira Catarina, deu um passo decisivo em direção de homens e mulheres se entenderem como parceiros. Isso não foi simplesmente sua descoberta, mas é resultado de muita leitura bíblica. Não lhe poderia passar despercebido que Jesus tomava mulheres e homens a sério com criaturas de Deus e por ele amadas, tanto que mais de uma vez entrou em choque com a sociedade de sua época pelo jeito de se relacionar com mulheres. É claro que também não lhe passou despercebido que o apóstolo Paulo por vezes é por demais filho do seu tempo!

Será que nós, gerações modernas e pós-modernas aprendemos a lição? Ainda não. O movimento feminista, entre outros, logrou abrir espaços e pôr em nossas cabeças outras perspectivas. Poderíamos dizer que em boa parte do mundo mulheres e homens assumem funções de liderança lado a lado. Poderíamos invocar o fato de que em diversos países as governantes são mulheres. Isso, porém, não nos deveria levar à falsa conclusão de que já compreendemos Gênesis 2. Quantas igrejas, por exemplo, não admitem o ministério feminino? É fato notório que, em geral, os salários das mulheres, em funções idênticas às de homens, são menores. Nas famílias continua a realidade de que as mulheres fazem dupla e tripla jornada, porque a elas estão afeitas "as lides da casa e o cuidado com os filhos". A violência contra a mulher nos lares fez com que, não só no Brasil, surgissem delegacias especiais para atender mulheres que sofrem violência em casa de parte de marido ou companheiro.

Será que tudo está perdido? Não, não mesmo. Já foram alcançadas muitas coisas e cresceu o reconhecimento de que mulheres e homens podem viver; partilhar e compartilhar a vida na família, no trabalho e na sociedade. E não deixa de ser imensurável a bênção que casais e famílias vivem por terem aprendido a riqueza da diversidade de dons, de sexo, do conviver e repartir dos diferentes dons. O mesmo se pode dizer de ambientes de trabalho onde impera companheirismo autêntico. Continuamos tendo tarefas. A pós-modernidade por si só não nos tornou mais humanos, compreensivos, solidários. Para isso teremos que sentar continuamente na escola da Sagrada Escritura e ouvir as vozes de tantas testemunhas que perceberam a grandeza da criação como um todo, um conjunto, uma convivência e uma partilha. O amor indiscriminado de Jesus pelo ser humano como tal precisa inquietar-nos e colocar-nos no caminho bom para os seres humanos, para as criaturas, para o mundo. E um desses caminhos bons pelo qual devemos agradecer é termos nascido mulheres e homens dos mesmos ossos, da mesma carne.

O texto de Gênesis 3.1-24 é muito conhecido. Esse fato oportunizou e sempre de novo oportuniza muitas informações a seu respeito. Informações que, na maioria das vezes, não tem muito compromisso com a verdade expressada. A história que acabamos de ler pode ser resumida em cinco frases. Em cada uma destas frases eu insiro cinco “palavras chaves” que nos acostumamos a ouvir, quando este texto é enfocado. Notem que nenhuma destas “palavras” pertencem à referida narrativa Vamos lá: Adão e Eva vivem no paraíso. O diabo aparece à Eva travestido de serpente. Ele seduz Eva a comer a maçã proibida que, ato contínuo, ela mesmo também oferece a Adão. Este pecado, foi o estopim que levou Deus a expulsar o casal do Jardim do Éden; promove dor e dificuldades, tanto a eles como aos seus descendentes e isso, até os dias de hoje. Trata-se do pecado original.

Eu já dissolvi o “quebra-cabeças” quando sublinhei as tais “palavras chaves” no parágrafo anterior. As cinco palavras são “paraíso”; “diabo”; “maçã”; “pecado” e “pecado original”. A palavra “paraíso é sinônimo tardio para “Jardim do Éden”. O texto que estamos estudando não fala em “maçã”. A palavra “pecado” é um substantivo que se usa para nominar a “desobediência a Deus”. Esta palavra também não ocorra no texto original. Um pouco complicada de ser entendida é a palavra “pecado original” (Não querer que Deus seja Deus) que, diga-se de passagem, já vem sendo usada pela Igreja desde antes da Reforma.

Muito, mas muito errado é a tentativa “linkar”, juntar, aparentar a serpente com o diabo. É compreensível que em 950 a.C. as pessoas se sentissem bem mais desconfortáveis diante de serpentes do que nós, hoje, no século 21. O autor de Gênesis 3.1-24 captou o fato que, naquelas épocas, as picadas desse réptil matavam bem mais gente do que hoje. O papel de representar o “diabo” como uma “serpente” vem do Novo Testamento. Aqui no texto com o qual nos envolvemos, a “serpente” desempenha um papel secundário, nada mais do que isso.

O fato é que estamos envolvidos com uma história do Antigo Testamento. Nos Estados Unidos da América é muito comum se ouvir de pais que acusam os professores de seus filhos judicialmente. Por quê? Ora, porque eles insistem em ensinar sobre a “evolução da origem das espécies” (Charles Darwin), sem dar ênfase à “Criação Divina” que defende a tese de que Deus criou o mundo e todos os seres viventes num ato único. Se tomarmos qualquer partido nesta briga, precisaremos nos aprofundar um pouco mais no assunto. É o que estamos fazendo.

No Antigo Testamento é assim que muitos textos são “montados”. Esse jeito de escrever também ocorre no Novo Testamento. Alguns textos são escritos com palavras precisas e até sofisticadas. Um exemplo disso é primeira “Narrativa da Criação” onde se lê que, primeiro foi criado todo um contexto; que só depois foi criado o homem. Outros textos são bem-humorados; profundos e instrutivos. Cito aqui a história da “Segunda Criação”, onde o ser humano é criado primeiro e só depois todos os outros seres vivos; onde se fala da “queda”; de “Noé” e outros textos que culminam com a “Torre de Babel”. Nos cabe distinguir; perceber e entender (apreender) estes textos.

Aquelas pessoas que leem um texto narrativo como ele se fosse a sequência lógica dos eventos históricos perdem muito da boa compreensão sobre o assunto com o qual se envolvem. Aqueles outros que se obrigam a si e ou até são obrigados por outros a acreditar neste relato como uma verdade literal se desgastam em vão. É difícil de ajudar a “edificar a fé” de uma pessoa que entende; que crê estes “assuntos” de forma “linear”. Estes textos são muito mais profundos; significativos e úteis do que meros relatos factuais poderiam ser.

Vamos ler em Gênesis 3.1-24 a história da “Primeira Desobediência”. O meu desdafio vai no sentido de que leiamos este texto com ouvidos e mentes abertas... O texto expressa que a “serpente” era a mais astuta de todos os animais. Observem que aqui no texto, ela, a “serpente”, não passa de um animal; de um réptil. Este “réptil” nos dá uma lição de retórica que pode nos ajudar a detectar certos truques que se usam para nos induzir ao erro. O “animal rastejante” tenta seduzir Eva. Ele consegue o seu intento sem propor absolutamente nada; sem desafiar a qualquer ação. Em nenhum momento a “serpente” cita “a árvore do conhecimento” que, em última análise, ela está visando. Sim, a “serpente” induz à mulher até a convencer o homem que vive ao seu lado.

Notem que a “serpente” coloca uma palavra na boca de Deus que Deus nem disse: Vocês não devem comer de toda árvore do jardim. Ela, intencionalmente, omite um detalhe. Eva a contradiz, mas ela, a serpente, não se dá por vencida e replica dando a entender que Deus bem poderia ter feito uma proibição desnecessária. Em tese esta idéia já estava fazendo “casa” na cabeça de Eva. Se Deus fez uma proibição desnecessária, então ela e Adão nem precisariam dar atenção a esta proibição. A “serpente” foi mais longe. Agindo assim ela nos oferece mais do que simples retórica. A “serpente” sabe alguma coisa a mais; alguma que Eva desconhece. Ela fala contra Deus: - É certo que vocês não morrerão. Em outras palavras: - O que Deus disse a vocês não confere! Agora, indiretamente, está sendo perguntado à Eva em quem ela confia mais: Em Deus ou na “serpente”. Todos aqui sabem o desfecho desta história. Eva confia no “réptil” eloquente.

É estranho que o texto dê a entender que a “serpente” tenha o poder de “induzir ao erro” às pessoas que Deus tem em grande conta. Como pode que uma coisa destas esteja escrita na Bíblia? Isso é algo forte - convenhamos. Como pode ser isso? Certamente não se trata de um erro; de uma falha na escrita. Uma possível explicação é óbvia é que Deus quer o bem das pessoas; que Ele prefere fazer às pessoas do que castigá-las. No Antigo Testamento sempre de novo se apresentam situações em que Deus faz ameaças de punição e, logo depois, oportuniza a graça em detrimento da justiça. A palavra “graça” sempre precisa ser entendida como “bênção”!

A “serpente” continua sua fala: Deus sabe que no dia em que vocês comerem desse fruto, os olhos de vocês vão se abrir e vocês serão como deuses; vocês conhecerão; saberão distinguir entre o que é bom e o que é ruim. Ora, este “negócio” de querer entender o que é bom e o que ruim confere. O problema é que a mentira nunca vem como mentira “limpa”, mas sempre com algum ingrediente de verdade para que ela, a mentira, seja crível. Esta é a arte da sedução da “serpente”. Aqui termina o seu discurso.

Agora Eva pensa por si só. Dia a Bíblia que Eva percebeu que seria bom comer da árvore; que aquele fruto era atraente, uma vez que abria a perspectiva para mais inteligência. Quem não gostaria de ser sábio? Não foi Deus mesmo quem nos criou com o desejo de buscar conhecimento? Isso que o Adão e a Eva fizeram foi mesmo tão absurdo – buscar mais conhecimento? Claro que não. Se assim fosse esta história seria inacreditável. Deus iria querer que permanecêssemos incultos; semi-sabedores?

A sede de conhecimento é da essência do homem, isso esse texto que estamos estudando também quer reafirmar. A “rebelião” e a “liberdade” humana tem o mesmo grau de verdade na “Criação de Deus”. Esta história com a qual estamos nos ocupando não quer condenar a ação de Adão e Eva. Deus mesmo dá a Adão e à Eva roupas e lhes promete que seus descendentes vão esmagar a cabeça da tal “serpente”. Mesmo nos tempos mais antigos, Deus sempre de novo “amaciou” o castigo prometido.

O que o capítulo 3 de Gênesis nos mostra de uma forma bem ampla, é que as necessidades da vida humana são justificadas pela desobediência. O homem quer saber a razão de tudo. Este é realmente o motivo que está por trás da história bíblica. Conta-se uma história sobre um fato incrível que bem poderia ter gerado o mundo do jeito que ele é; que bem poderia facilitar o entendimento do mundo como ele é; que bem poderia mostrar como ele, o mundo, de repente, poderia ter sido.

O escritor pergunta: -Onde é que aconteceu uma ruptura na vida do homem? Nossa existência é insatisfatória. Nós fomos criados para viver a “alegria” e, mesmo assim, experimentamos a infelicidade. Será que já fomos julgados; condenados a sofrer de antemão? Nós temos uma idéia de como deveríamos ser; de como gostaríamos de ser, mas permanecemos muito atrás da concretização destes desejos. Nós trabalhamos; damos tudo de nós e tudo o que conseguimos criar acaba se quebrando nas nossas mãos. Muitas vezes nós mesmos somos tentados a pensar que tudo é vaidade; cinzas ao vento. Mas então, sempre de novo, percebemos que somos os culpados, apesar de toda a nossa boa vontade. Não é o fato de que o homem pecou e que, por isso mesmo, está arruinado. Ele sempre peca e isso o arruina. O pecado cometido por Adão e Eva está mais próximo de nós do que somos capazes de imaginar. Sim, o pecado está em nós!

O acontecimento central da história que vimos agora é a “Desobediência a Deus”. Entre aquela época e a época de hoje existe uma enorme diferença. Na história de Gênesis, Deus caminha sobre a terra e conversa cara-a-cara com Adão. Deus lhe diz o que Ele proíbe e o que Ele permite ser feito. E mesmo mesmo assim o homem é desobediente. Hoje, no século 21, nós experimentamos o outro extremo, uma vez que não encontramos mais Deus na esquina. Esse já foi aclamado como o principal problema do nosso tempo: - Onde está Deus?

Nós experimentamos a vontade de Deus de uma forma indireta, quando lemos as Escrituras; quando ouvimos as explicações que os nossos irmãos nos dão numa prédica - por exemplo. É da nossa responsabilidade checar, sempre de novo, estas duas informações que nos são dadas. O nosso relacionamento com Deus não é tão direto e espontâneo, como acontece na história de Adão e Eva. Se o pecado é a mesma coisa que o relacionamento quebrado com Deus, então somos todos pecadores. É isso que este texto; que esta história está querendo nos dizer quando explicita o “pecado original”.

Notem que esta história se mostra um tanto isolada dentro do Antigo Testamento. Nenhum outro texto do Antigo Testamento faz qualquer referência a este texto que estudamos. Nenhum livro histórico; nenhum livro profético e nenhum livro poético citam esta passagem. No Novo Testamento, o texto é lembrado apenas em uma passagem que Paulo escreve em Romanos 5.12ss. Lá Paulo o usa para fazer uma comparação literária, mas não como uma mensagem. Para Jesus e os escritores do Novo Testamento, esta história não foi nenhuma mensagem central que eles tivéssem que levar em conta; que tivéssem que absorver como verdade e ponto final. Volto a frisar: Nos cabe ler esta “História da Queda” como uma poesia instrutiva.

Por fim, o que é cristão nesta “História da Queda”? Jesus foi tentado desde antes do início do Seu ministério. A tentação está no começo do sofrimento. A desobediência do homem contra Deus foi a razão para Paixão de Jesus. A história posterior do Povo de Deus no Antigo e no Novo Testamento nos mostra que as bênçãos do Criador são maiores do que os crimes cometidos pelos homens.

Sugiro que leiamos a Palavra sobre Adão e Cristo que consta em Romanos 5.12: “Como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram... Mas onde o pecado abundou, ali a graça se fez ainda muito mais poderosa”.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Construindo Pontes!


Nossa tarefa como integrantes desse Grupo que trabalha a rearticulação da CEJ é extremamente séria. Deus está nos chamando a construir “pontes”. Sim, nós somos pontífices! Nós temos a tarefa de aproximar as pessoas que fazem parte da Terceira Idade das crianças, dos jovens, do povo mais amadurecido que, juntos, se assentam nos bancos dos nossos templos. Foi-nos colocada sobre os ombros a tarefa de aproximar as pessoas que participam da Comunidade como se ela fosse uma apenas mais uma “Instituição”. Cabe-nos levar a cabo a tarefa de promovermos o diálogo entre as nossas Paróquias. Urge que nos articulemos no cumprimento da tarefa de “ligar” os nossos Presbitérios entre si. Pesa sobre os nossos ombros o compromisso aproximarmos a nossa Comunidade da sociedade joinvillense.

Como “construir pontes” entre as nossas Paróquias? Ora, oportunizando o acesso das “Paróquias Vizinhas” aos programas que acontecem na nossa “Sala de Estar”. Reconhecendo os “Tesouros” e os “Dons” que movem nossas “Paróquias Vizinhas” dentro deste contexto de Cidade Industrial. Lutando com “unhas e dentes” no sentido de fugir desta tentação de sempre de novo “reinventar a roda”, a partir desta ou daquela necessidade. Que tal? Podemos encarar esse Projeto?

As pontes aproximam. Elas promovem encontros e oportunizam a passagem sobre os abismos. As pontes facilitam a passagem sobre fronteiras. Sim, as pontes são capazes de oportunizar contatos lá onde nunca houve a menor possibilidade de diálogo. Os exércitos de todos os povos sempre dedicam muito cuidado às suas pontes. Isso é assim porque elas, as pontes, sempre são muito visadas pelo inimigo. Carrego a impressão que o “Inimigo Maior” de Deus não queira que construamos “pontes” entre as Paróquias da CEJ. Ando um tanto convicto que “Ele” anda sonhando muito mais com possíveis divisas.

As “pontes” que aproximam pessoas podem ser edificadas a partir de madeiras; de pedras e ou de aço. Depois de uma “ponte” sempre existem “portas abertas” que, num linguajar silencioso, dão mostras de boas-vindas. As “pontes” são caminhos e meios para a boa comunicação que aproxima as pessoas. Joinville está cada vez mais industrial. As pessoas trabalham muito. A solidão começa a ser experiência cada vez mais comum. Gente! Construir “pontes” é preciso. “Pontes” que aproximam e não “muros” que dividem.

Que os nossos pés nos encaminhem um ao outro. Que saibamos abrir os nossos braços para abraços. Que possamos apertar nossas mãos. Que nossos olhos possam se encontrar. Que nossos ouvidos possam estar atentos às vozes dos outros. Que a nossa boca possa esboçar sorrisos abertos. Que a nossa palavra falada seja provida de bons tons. Se isto assim acontecer, haverá encontros; haverá “redes” de interesse; “pontes” que implodirão a possibilidade de “ensimesmamento”.

Incluir – não dividir. Não seria essa uma boa idéia para trabalharmos; aprofundarmos aqui na Boa Vista? A Bíblia se resume em “construção de pontes”; “pontes” entre pessoas e pessoas; pontes entre pessoas e Deus. Fico pasmo que ela, a Bíblia, em nenhum momento usa a palavra “ponte”, apesar de estar “recheada” de “pontes”. Há um momento em que Jacó e Esaú se dão as mãos novamente. Deus construiu no mundo a ponte do “arco-íris”. O Pai que acre os braços para receber o Filho Pródigo...

Jesus Cristo é uma “Ponte Viva” entre Deus e as pessoas. Essa “Ponte” foi “construída” sobre um grande abismo; sobre uma “fronteira” intransponível. Essa “Ponte” promoveu uma ligação onde não havia mais qualquer possibilidade de comunhão.

Opa! Encontrei um texto bíblico onde aparece a palavra “ponte”: É em 1 Timóteo 2.5 onde se lê: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.” Jesus Cristo foi um “Mediador”. Ele “construiu uma “ponte”. Ele “mediou” a possibilidade da aproximação das pessoas de Deus, a partir da Sua “ação” no mundo. Jesus foi e continua sendo o maior “Construtor de Pontes” que o mundo conheceu. Em latim se diria que Ele foi o “Pontifex maximus”.

Continuemos sua obra aqui em Joinville. Construamos “pontes” que aproximem nossas Paróquias; que aproximem as pessoas entre si. Amem!